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Filme "Paris Blues" fracassou mesmo com Newman, Poitier e Duke Ellington

Duke Ellington / Victor Drees/Getty Images
Duke Ellington / Victor Drees/Getty Images

No papel, Paris Blues (1961; no Brasil, Paris Vive à Noite) era para ser um clássico instantâneo do cinema. A começar pelo elenco. Os atores principais eram Paul Newman, se assentando no auge de sua carreira, e Sidney Poitier, em contínua ascensão para se tornar o maior astro negro de Hollywood. Ambos viveram músicos de jazz americanos autoexilados em Paris.


As atrizes em destaque eram Joanne Woodward (casada com Newman), já vencedora do Oscar de Melhor Atriz, e Diahann Carroll, experiente e jovem atriz-cantora negra.


Na direção, Martin Ritt, um competente diretor que integrou a famigerada lista trágica de supostos comunistas que ficaram sem trabalho em Hollywood e na TV americana nos anos 1950. Com os cenários reais de Paris, era difícil, quase impossível, fazer um filme feio, mesmo com fotografia em preto e branco.


E havia a chancela de dois monstros sagrados do jazz: Duke Ellington montou uma trilha sonora com composições suas especialmente para o filme, e Louis Armstrong trouxe seu carisma em uma participação especial em algumas cenas de Paris Blues.


Adepto do famoso Método de interpretação do Actor’s Studio de Nova York, Paul Newman teve aulas básicas dos movimentos com o trombone com Billy Byers para viver o músico Ram Bowen (mas o som que sai do trombone no filme foi responsabilidade de Murray McEachern, veterano da orquestra de Benny Goodman).


Sidney Poitier não ficou para trás e aprendeu os rudimentos do saxofone com o músico francês Guy Lafitte para encarnar o personagem Eddie Cook (tal qual Newman, o som do saxofone de Poitier vem de outro músico: Paul Gonsalves, da orquestra de Duke Ellington).


Mesmo com tudo isso de positivo, Paris Blues fracassou.


Como não há um ranking oficial de bilheterias dos filmes de 1961, estima-se que Paris Blues tenha ficado num mísero 73º lugar, com arrecadação estimada em 1,1 milhão de dólares. Bem pouco. A maior bilheteria americana daquele ano foi do filme de guerra Os Canhões de Navarone, com 28,9 milhões de dólares (em valores da época).


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Paul Newman e Joanne Woodward / Getty Images


As atuações dos atores e atrizes principais e a bela fotografia, com algumas imagens deslumbrantes de Paris, foram absolutamente ignoradas pelo Oscar.


Houve apenas uma indicação — a mais óbvia possível — para o Oscar: Melhor Trilha Sonora de Musical (uma categoria que hoje não existe mais), para Duke Ellington.


Nem com o trabalho de um dos jazzistas mais brilhantes de todos os tempos o triunfo chegou para Paris Blues. Duke foi derrotado pela trilha de Amor, Sublime Amor (West Side Story, 1961) — um dos DEZ Oscars que esse filme ganhou naquela noite.


Vale registrar também que a trilha sonora concorreu ao Grammy e igualmente não venceu.


Os problemas de Paris Blues, o filme, talvez tenham começado na hora de adaptar para a tela Paris Blues, o livro, escrito por Harold Flender e publicado em 1957.


Com forte conteúdo social e defesa da luta por direitos civis dos afro-americanos, o livro de Flender (um escritor branco, diga-se) tem como verdadeiro protagonista o saxofonista negro que seria interpretado por Sidney Poitier.


O personagem compara o jeito como é tratado em Paris com o sofrimento do racismo escancarado e da segregação dos quais fugira nos Estados Unidos.


Uma fala de Eddie Cook/Sidney Poitier, que foi incluída no filme, dá bem a ideia do que o livro defendia: “Olha. Aqui ninguém diz ‘Eddie Cook, músico negro’. Dizem ‘Eddie Cook, músico’ e ponto. E isso é tudo que quero ser”.


Com Hollywood sendo Hollywood, o livro que serviu de base para Paris Blues foi revirado de ponta-cabeça pelos roteiristas Jack Sher, Irene Kamp e Walter Bernstein, além da adaptadora Lulla Adler (pseudônimo usado pela escritora Lulla Rosenfeld nos créditos).


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O baterista Max Roach / Michael Ochs/Getty Images


Apesar de manter o clima de jazz nas cenas de performance musical em bares claustrofóbicos (e, para isso, a participação de Louis Armstrong como um certo Wild Man Moore, astro americano do jazz de passagem por Paris), o roteiro acabou priorizando as cenas românticas de Newman com Woodward e Poitier com Carroll.


Os problemas de músicos de jazz com as drogas foram tratados um pouco de relance no filme, através da figura do guitarrista Michel "Gypsy" Devigne, interpretado pelo ator e cantor ítalo-francês Serge Reggiani.


Pior: a consciência racial do personagem de Poitier, que era ponto forte do livro, ficou minimizada no filme em benefício de mais destaque para o músico branco e o par de namorados brancos.


A participação de Louis Armstrong, que toca trompete em “Battle Royal” e “Wild Man Moore”, e sua interação com os atores chancelam o jazz do filme. A trilha sonora de Ellington (que é boa) também, mesclando composições novas com a reciclagem de standards como “Take the ‘A’ Train” e “Mood Indigo”.


Porém, houve quem criticasse a trilha, especialmente o LP, pelo excesso de músicos nas gravações em maio de 1961 em Nova York. Nem todos os participantes eram da orquestra fixa de Duke, apesar da presença de homens de confiança dele, como o trompetista Cat Anderson, o trombonista Juan Tizol e os saxofonistas Johnny Hodges e Paul Gonsalves.


Só que houve vários participantes que, na visão de alguns críticos, descaracterizaram o típico som ellingtoniano. Por exemplo, um excesso de bateristas — incluindo Philly Joe Jones e Max Roach — que não conseguem dar o swing que apenas Sam Woodyard (da banda de Duke, mas ausente das sessões) conseguiria realizar sem esforço.


A aura de doce fracasso de Paris Blues acabou rendendo ao filme um certo status de cult. Não daqueles que, de tão cultuados, praticamente viram mainstream. É um filme cult discreto, para interessados em jazz e em Paris.


Não é difícil encontrar no YouTube uma versão completa de Paris Blues para sustentar esse culto. E para que se possa comprovar com os próprios olhos e ouvidos se filme e trilha foram subestimados na época do lançamento.


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