top of page

No Big Bang do jazz, o blues escandalizou e o ragtime enlouqueceu

W. C. Handy / Foto: Bettmann/Getty Images
W. C. Handy / Foto: Bettmann/Getty Images

No final do século XIX, após a Guerra Civil dos EUA (1861–1865), a equação formada pelos seguintes elementos — música criada pelos escravizados + cantos de fé e lamento (os spirituals) + bandas militares + salas de concerto — resultou nas duas formas pré-históricas do jazz: o blues e o ragtime.


O blues — herdeiro direto dos gritos religiosos, dos spirituals e das pregações batistas e metodistas nas igrejas negras — ganhou contornos mais nítidos com letras despudoradas e ousadas, apoiadas sobre uma estrutura musical de origem europeia: a clássica forma de 12 compassos dividida em três frases de quatro compassos (verso, repetição e desfecho). Suas canções narravam as dores de um povo marcado pela pobreza, pela escravidão, pelas frustrações amorosas e por um mundo hostil no século XIX pós-Guerra Civil.


O pioneiro foi William Christopher Handy (1873–1958), o primeiro homem a escrever e publicar composições de blues, a partir de 1910 — em desafio direto ao pai, que só aceitava hinos religiosos. O blues, que rasgava a pureza angelical dos cânticos espirituais, carregava letras consideradas promíscuas e demoníacas demais para os ouvidos mais conservadores.


Já o ragtime, surgido por volta de 1890, era uma forma sincopada e festiva, típica do piano, desenvolvida por pianistas brancos e creoles. Só quem sabia ler partituras era capaz de executá-lo — e os palcos favoritos eram os cabarés e os salões de dança. Mais uma vez, a tradição branca (a leitura musical e a mão esquerda marcada por um ritmo militarista, firme e animado) se encontrava com a cultura negra (a mão direita sincopada, cheia de balanço e liberdade rítmica).


O rag floresceu entre 1897 e 1917, primeiro em cidades do Meio-Oeste americano, como St. Louis, depois alcançando Nova York, onde se consolidou na Tin Pan Alley — área da Broadway onde se reuniam as principais editoras musicais — e era ouvido em espeluncas, coretos, bares e até ao vivo durante sessões de cinema mudo. O célebre compositor de marchas John Philip Sousa (1854–1932) levou o estilo à Europa, onde nomes como Claude Debussy e Igor Stravinsky o absorveram em suas criações eruditas.


Entre os principais intérpretes do ragtime estavam Tom Turpin (o primeiro negro a compor e publicar uma peça do gênero, St. Louis Rag, em 1903), James Scott e, sobretudo, Scott Joplin, filho de ex-escravizados, autor da célebre Maple Leaf Rag — que vendeu mais de um milhão de cópias após sua morte — e da ópera Treemonisha, reconhecida apenas em 1972, quando foi finalmente encenada na Broadway.


Incompreendido em vida, Joplin morreu aos 49 anos, em 1917, internado em um manicômio. Sua música, no entanto, foi redescoberta em 1973, ao integrar a trilha sonora do filme Golpe de Mestre, estrelado por Robert Redford e Paul Newman. A peça The Entertainer, composta em 1902, tornou-se um sucesso — 70 anos após sua criação.

bottom of page