Como surgiu o cool jazz e por que Miles Davis se tornou seu maior símbolo
- Vinicius Mesquita

- 28 de nov.
- 5 min de leitura

O estilo cool nasceu no final dos anos 1940, mas só passou a ser compreendido a partir de 1952. Sua figura-chave foi o saxofonista Lester Young (1909–1959), remanescente da cultura das grandes bandas e incompreendido pelos músicos da geração bop. Em 1949, Lester — conhecido carinhosamente como “Pres”, abreviação de “President” — já tinha 40 anos e experiência suficiente para ser admirado sem despertar competição entre os mais jovens. O apelido foi dado por sua amiga e fã Billie Holiday, que afirmava que nenhum outro saxofonista a acompanhava com tanta perfeição e sentimento.
Lester era fã de músicos brancos dos anos 1920, como o trompetista Bix Beiderbecke e o saxofonista Frankie Trumbauer, ambos conhecidos pela suavidade e pelas melodias contidas. Lester era profundo, mas também visceral. Seu objetivo era alcançar o sentimento das pessoas — não fazer acrobacias com o saxofone. A modulação doce de seu som tornou-se referência para os que já estavam exaustos das enxurradas de semicolcheias lançadas por Charlie Parker.
Do outro lado do país, em Balboa Beach, Califórnia, o bandleader Stan Kenton (1911–1979) experimentava orquestrações progressivas, explorando novos arranjos e vasculhando a tradição da música clássica para renovar a estética das big bands. Foi em sua banda que muitos dos instrumentistas que moldaram o cool jazz se desenvolveram: o trompetista Shorty Rogers, o baterista Shelly Manne, os alto-saxofonistas Bud Shank, Art Pepper e Lee Konitz, o tenor Zoot Sims e o guitarrista brasileiro Laurindo Almeida. Todos tinham em Lester Young um ídolo.
Em Nova York, o pianista cego Lennie Tristano (1919–1978) misturava Bach e blues desde os anos 1940, mas só atraiu atenção no início dos anos 1950, quando passou a ser chamado de “Einstein do jazz”. Incorporar conceitos da música erudita, no entanto, já não era mais exclusividade sua.
Na Mills College of California, o professor francês Darius Milhaud, teórico da música clássica, experimentava a fusão entre o jazz e o barroco. Um de seus alunos mais ilustres foi o pianista Dave Brubeck, que formaria um dos quartetos mais famosos — e talvez o mais lucrativo — da história do jazz. Ao lado do saxofonista Paul Desmond, do baterista Joe Morello e do baixista Eugene Wright, Brubeck lançou, em 1959, o disco Time Out, cuja obra-prima Take Five, composta em 5/4, rompeu com o tradicional compasso 4/4 que reinava no jazz, mesmo nas fases mais ousadas do bebop.
Na mesma época, o escritor e compositor Gunther Schüller, em parceria com o pianista John Lewis (1920–2001), cunhou o termo "terceira corrente" (third stream music) para descrever a fusão entre jazz e música erudita — uma tendência já comum entre músicos e arranjadores da época, como George Russell e Bill Russo (responsável pelas ideias mais vanguardistas da big band de Kenton).
Em seguida, Lewis fundou o Modern Jazz Quartet, o exemplo mais claro de como as regras rígidas da música clássica podiam dialogar com as harmonias do jazz. Seu repertório era variado: ia de pequenos temas de blues a trilhas sonoras para cinema.
Outro inovador foi o estudioso Gerry Mulligan (1927–1996), que criou um quarteto sem piano — o chamado pianoless quartet — com baixo, bateria, trompete e seu próprio sax barítono. Sem a base harmônica tradicional do piano, sax e trompete assumiam toda a sustentação harmônica, criando uma sonoridade original.
Para desespero de Mulligan, seu trompetista Chet Baker (1929–1988) tornou-se muito mais famoso, graças a melodias suaves, voz terna e aparência romântica. Símbolo da filosofia cool e ídolo da geração beatnik, Baker amava carros velozes, drogas e o presente — o futuro não parecia ter importância. Quando Mulligan percebeu que perdia o protagonismo, demitiu Baker do quarteto. Chet não se importou.

Tão inconsequente quanto Baker era o tenor Stan Getz (1927–1991), o mais vibrante e carismático saxofonista da primeira metade dos anos 1950. Após o sucesso do bebop e do cool, afundou-se nas drogas e brigou com praticamente todos os colegas. Fugiu — literalmente — e foi parar no Brasil, apaixonando-se pela bossa nova de Antônio Carlos Jobim e João Gilberto.
A chegada de Miles
O jazz dos anos 1950 crescia em direções múltiplas, mas dava sinais de cansaço — à espera de uma nova síntese, de alguém capaz de organizar todas as ideias lançadas por Lester Young, Kenton, Brubeck, Tristano, Schüller, Lewis, Mulligan, Baker, Getz e Jobim.
Coube ao trompetista Miles Davis (1926–1991) personificar o espírito do cool. Inteligente o suficiente para saber que jamais teria a técnica de Dizzy Gillespie ou o virtuosismo de Clifford Brown, Miles usou sua sensibilidade para enriquecer texturas e refinar arranjos, absorvendo o melhor das ideias que borbulhavam ao seu redor. Enquanto Charlie Parker enchia um compasso com 16, 20 ou até 32 notas, Miles preferia tocar duas ou três — mas precisas, com ressonância, como o perfeito encaixe das peças de Lego ou células de uma colmeia.
No final dos anos 1940, depois de acompanhar Parker de perto, anotar obsessivamente suas ideias e tocar ao seu lado, Miles decidiu seguir seu próprio rumo. Em 1947, conheceu o arranjador Gil Evans e começou a trabalhar com ele em seu apartamento em Nova York. O resultado veio em 1949, quando Miles liderou um noneto e gravou sua obra seminal, inicialmente lançada em singles e mais tarde reunida no LP Birth of the Cool (1957). Estavam ali Mulligan (sax barítono), Konitz (sax alto), os pianistas Al Haig e John Lewis, o trombonista J.J. Johnson e os bateristas Max Roach e Kenny Clarke.
A repercussão, no entanto, foi modesta — restrita a músicos e críticos atentos. A evolução de Miles seguiria nos discos gravados pelo selo Prestige entre 1954 e 1956 (Walkin’, Cookin’, Relaxin’, Steamin’) até alcançar seu ponto mais alto em 1959, com o lançamento de Kind of Blue.
Nesse disco — um marco da história da música —, Miles reuniu os saxofonistas John Coltrane (tenor) e Cannonball Adderley (alto), os pianistas Bill Evans e Wynton Kelly, o baixista Paul Chambers e o baterista Jimmy Cobb. Não havia mais novidade formal, mas Miles conseguiu sintetizar, em poucas composições, tudo o que havia sido desenvolvido entre o final dos anos 1940 e o início dos 1950.
Essa evolução só foi possível graças ao aprendizado com Parker, Gillespie, Gil Evans — e ao apoio criativo de Bill Evans.
Como Gil, Bill Evans (1929–1980) era apaixonado por Chopin e estudava outras possibilidades harmônicas. Em vez de improvisar apenas sobre os acordes, como era comum no bebop, passou a improvisar sobre as escalas, ajudando a consolidar o estilo modal — mais livre, mais espaçado, mais introspectivo.
Miles, mais do que qualquer outro líder de sua época, sabia escolher músicos. Percebia de imediato quem poderia contribuir com sua música e os convidava para integrar sua banda. Perspicaz, fazia parecer que estava oferecendo uma oportunidade ao jovem, quando na verdade colhia ideias valiosas. Foi assim com Bill Evans. Mas, como poucos, Miles ensinava tanto quanto aprendia — e isso o tornava único.











Comentários