top of page

O afrobeat de Seun Kuti ganhou novo capítulo no Brasil

Seun Kuti / Foto: Alexis Mayron
Seun Kuti / Foto: Alexis Mayron

Poucos artistas se empenham tanto em levar adiante o legado do pai quanto Seun Kuti. Filho de Fela Kuti, o inventor e principal difusor do gênero afrobeat, ele é comprometido em perpetuar não só uma linguagem estética como também uma mensagem política. Com seis álbuns lançados desde 2008 e mais um punhado de singles, Seun até hoje excursiona e grava com a Egypt 80, a última banda de Fela – ainda que, na atual formação, apenas ele próprio e o baixista Kunle Justice chegaram a tocar com seu progenitor.


O nigeriano esteve no Brasil em outubro e novembro, onde fez 15 shows em 12 cidades para a divulgação do seu disco mais recente, Heavier Yet (Lays the Crownless Head), lançado neste ano e produzido por Lenny Kravitz. Como sempre faz, abriu e encerrou as apresentações com gravações clássicas do pai – “Authority Stealing” (1980) e “Zombie” (1976), respectivamente.


Esta foi a sétima vez que ele esteve no país para se apresentar desde 2010, e as visitas frequentes estreitaram laços com artistas brasileiros. O clipe da música “Black Woman”, de 2015, foi gravado no país e tem direção dos brasileiros Micael Hockerman, Pedro Rajão e Wagner Novais. Já em 2023, Seun Kuti voltou ao Brasil para mais um show e aproveitou a ocasião para gravar duas faixas com a banda paulistana Funmilayo Afrobeat Orquestra: “Upside Down” e “Gentleman”, ambas do repertório de Fela e lançadas em 1976 e 1973, respectivamente.


Nas ocasiões em que se apresentou de forma gratuita e ao ar livre em São Paulo – como em 2014, no Mês da Cultura Independente, e em 2019, na Virada Cultural –, a comunidade nigeriana que vive na cidade marcou presença forte em meio ao público e acrescentou uma dose a mais de emoção às performances.


Engajado na defesa dos povos oprimidos e na denúncia dos abusos de autoridade na Nigéria e na África, o artista sempre demonstra consciência política sobre o que se passa no Brasil tanto nos discursos que leva para os palcos como nas entrevistas que concede à imprensa local. No último show da turnê de 2025, em 23 de novembro, na casa Mundo Pensante, ele celebrou com a plateia a prisão de Jair Bolsonaro, que aconteceu no dia anterior.


Fela Kuti gravou 51 álbuns ao longo da carreira. Ele não só ergueu os pilares do afrobeat como pavimentou a estrada para outros artistas transitarem no gênero décadas depois de sua morte, em 1997. Herdeiro direto, Seun integra a Egypt 80 desde os 12 anos e foi alçado à condição de líder da banda aos 15, quando seu pai morreu. Desde então, defende com unhas e dentes a essência de um gênero musical – fruto de uma fusão explosiva do highlife nigeriano com o jazz e o soul estadunidenses – e arte como forma de luta.


Além disso, é responsável pela administração do museu que hoje existe na República Kalakuta – mansão onde Fela morava, em Lagos, com suas esposas, músicos e amigos, e que se tornou, literalmente, uma trincheira de resistência contra a ditadura da Nigéria desde os anos 70. Confira a entrevista do artista concedida à Jazzify, por e-mail.


ree

Você chegou ao Brasil logo depois de o país testemunhar o maior massacre já cometido pela polícia militar (na megaoperação realizada em 28 de outubro, no Complexo do Alemão, Rio de Janeiro). Como essa tragédia impacta suas performances no país e sua conexão com o público daqui?


O que vivo todos os dias é a base da minha música. Falo sobre o cotidiano, sobre o sofrimento que toda pessoa é obrigada a enfrentar, sobre as injustiças. Mas eu também — e principalmente — falo sobre luta, sobre resistência. A energia da minha música, seja a que faço no estúdio ou no palco — como os do Brasil —, é uma reação a todas as injustiças. É meu desabafo e minha forma de participar da revolução.


Você sente que carregar o legado do afrobeat também significa manter um compromisso constante com a denúncia das opressões no mundo?


Meu pai dizia que a música é uma arma. Eu também acredito nisso, mas acrescento: ela não é a batalha em si. Falamos de luta e resistência, que precisam ser a faísca que acende a revolução. Quando falamos em revolução, podemos imaginar a que acontece nas ruas, mas também a que acontece no dia a dia. A música pode ajudar a conscientizar, despertar nossa curiosidade e ampliar nosso conhecimento. E tudo isso é a base da resistência contra o sistema capitalista, que quer que você seja um autômato a serviço da produção e do consumo.


Você já se apresentou no Brasil muitas vezes nos últimos 15 anos. Como você sente que o público brasileiro se conecta com sua música e com o afrobeat em geral?


Fico muito feliz em tocar no Brasil porque existe uma grande conexão. Sinto o carinho do público por mim, pela minha banda e pela nossa música. Muito obrigado. Adoro o trabalho da Funmilayo Afrobeat Orquestra. Essa banda é incrível e sou grato pelo que fazem. Nossa relação se desenvolveu de forma totalmente espontânea.


Como surgiu a colaboração com Lenny Kravitz como produtor de Heavier Yet (Lays the Crownless Head)?


Lenny Kravitz me seguia no Instagram. Eu não sabia. Quando percebi, passei a segui-lo também e começamos a trocar mensagens. Eu não acreditava que ele me conhecia. A partir daí, começamos a falar sobre uma possível colaboração. Ele queria produzir o álbum e, claro, eu disse “sim” na hora. A colaboração se concretizou há dois anos, no estúdio. Eu já havia conhecido o Lenny, mostrado algumas músicas, e ele tinha ido me ver em um show em Paris. Depois nos trancamos no estúdio — também em Paris — e foi daí que essa magia começou. Aprendi muito com ele; foi um momento de troca. Sou muito grato. Este ano fizemos mais de 80 shows, desde o início de março, abrindo seis datas da turnê europeia dele.


O álbum tem participação da rapper Sampa the Great, da Zâmbia. Na sua opinião, quais são as principais qualidades do trabalho dela?


A Sampa também está presente na primeira versão do álbum e, na versão deluxe (lançada também em 2025), incluímos o remix que ela mesma produziu. Gostei muito dessa releitura e decidi colocá-la no disco. Além do estilo dela, acho que é uma das melhores artistas compositoras que existem.


Você lidera a Egypt 80 desde 1997. O que significa para você manter esse legado e como lida com essa responsabilidade?


Não encaro isso como uma responsabilidade. Muitos pensam que é, mas para mim é apenas a continuidade das coisas. Eu já tocava na banda antes da morte do meu pai; eu era integrante. Depois continuei tocando. Para mim, manter a tradição também significa fazer coisas diferentes daquelas que meu pai fazia, porque sei que, se ele estivesse vivo, faria coisas novas, diferentes. Ele era um inovador.


Comentários


bottom of page