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A bolha sonora do duo Air traz uma resposta atemporal à escuridão

Atualizado: 29 de mai.

O duo Air / crédito: Christian Bertrand / Shutterstock.com
O duo Air / crédito: Christian Bertrand / Shutterstock.com

É bem fora da curva. Dois jovens músicos franceses que sequer tinham projeção em seu país lançam um álbum de oito faixas e estouram internacionalmente. Com o título Moon Safari, esse álbum de estreia embarcava na celebração a sintetizadores e pedais eletrônicos, mas baixo, guitarra e teclado continuavam no centro da formação. Melodia e acordes tinham espaço na cena de jovens clubbers.


Enquanto o mundo era tomado por raves e pistas de casas noturnas, com um cenário de DJs que se expandia na velocidade da luz, os rapazes franceses do Air pareciam propor uma pisada no freio. Até hoje, o som que produzem é lento, às vezes suave demais, como se feito para crianças. Mas a velocidade reduzida e as referências de tons reconhecíveis (seriam trilhas sonoras, sinfonias de Debussy, cantigas para ninar, vinhetas comerciais?) causaram um estranhamento macio e confortável, soaram sofisticados também por causa de um olhar sobre o minimalismo. O admirável mundo eletrônico parou para escutar.


“Queríamos fazer um som que tirasse as pessoas da realidade e as levasse para um mundo paralelo"

Nicolas Godin, do Air


Soa por vezes ingênuo e até mesmo feito para crianças – dirijo essa provocação a Jean-Benoît e Nicolas Godin, os dois membros da banda, em uma conversa por videoconferência. Existe uma intenção política nessa opção estética de aparência apolítica?


Godin responde que o desejo da banda, naqueles anos 1990 em que o mundo parecia mais pacificado, apesar de guerras pontuais na África e das mazelas de crises econômicas, era “criar uma bolha própria”.


“Queríamos fazer um som que tirasse as pessoas da realidade e as levasse para um mundo paralelo”, diz.


Nesse sentido, Moon Safari se ressignifica agora, “porque a realidade é bem pior do que naquele ano de 1998”, diz o músico. “Se criássemos um novo disco, faríamos o mesmo, criaríamos algo para ignorar a escuridão destes tempos”, reforça. Duas guerras sangrentas cercam países europeus.


A faixa mais emblemática, nesse sentido, talvez seja a alegre “Kelly Watch the Stars”, em que o Air vai repetindo a frase “Kelly olha para as estrelas”, em uma sequência de variações temáticas que aludem a um passeio intergaláctico. De fato, não parecia tão lunática para quem vivia numa França presidida por Jacques Chirac, mais aberta ao mundo árabe e que celebrava a criação da União Europeia.


A maior preocupação de Godin e Benoît era mesmo “evitar a pressão da indústria fonográfica” para que pudessem “criar algo que fosse considerado atemporal”, diz Godin.


Air / crédito: 360b / Shutterstock.com
Air / crédito: 360b / Shutterstock.com

Com francês e inglês nas letras, eles trouxeram a público um som que - agora sim temos a prova - atravessou duas décadas e manteve a mesma força. Foi o que os trouxe à apresentação no festival C6, no fim de maio, quando tocaram o Moon Safari de cabo a rabo.


“Toda vez que a gente faz uma música, a gente tenta fazer algo atemporal, somos obcecados por isso. Tem muita pressão para que a gente faça coisas que atendam à demanda de um período, hoje eu sei que a gente tomou decisões certas”, diz o músico.


A suavidade das composições vai costurando referências inesperadas, inclusive com menções a brasileiros. “Definitivamente”, Stevie Wonder é uma influência, diz Godin, assim como João Gilberto e Tom Jobim. “Basicamente, todos os instrumentos que nós usamos em Moon Safari foram comprados a partir da lista de instrumentos na contracapa de Talking Book [de Wonder]”.


Benoît fala do minimalismo de Kraftwerk como referência muito forte no universo da eletrônica, mas puxa para algo anterior: os eruditos franceses dos séculos XIX e XX – Maurice Ravel, Claude Debussy e Erik Satie, principalmente.


Assim, o Air tornou-se um ícone francês mais melódico em relação a colegas ingleses e espanhóis, sob a verve de jovens na casa dos 20 anos que, naqueles anos 1990, tentavam “escapar da vida adulta, da responsabilidade de achar emprego, de ter que trabalhar e entrar nesse mundo caótico”.


Essa identidade se repetiu em discos como Talkie Walkie, Pocket Symphony e Love 2. Ainda hoje, dedicam-se a um gosto quase zen, em que a medida é a qualidade harmônica. São músicas meditativas e belas em suas construções de fachada singela. E essas fachadas escondem um universo, em que as paisagens têm formas muito mais diversas.

 

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