Mestres e herdeiros: a tradição do piano popular brasileiro em 10 lições
- Wagner Amorosino
- 24 de mai.
- 9 min de leitura
Atualizado: há 7 dias

O pianista Marco Bernardo/Créditos: Valéria Martins
Vamos falar de uma parceria ocorrida entre um portal, um intérprete e uma gravadora que resultou em uma das mais importantes séries de álbuns temáticos sobre o piano brasileiro. Uma iniciativa rara em nossos dias, um trabalho profundo e criterioso de pesquisa musical que traz ao público a oportunidade de conhecer algumas das referências do instrumento. Estamos falando do portal Instituto Piano Brasileiro, do pianista Marco Bernardo e da gravadora Kuarup, que nos presenteiam com Pianismos do Brasil, uma coleção de dez álbuns essenciais para quem quer entender a história da formação da linguagem pianística brasileira. O Instituto Piano Brasileiro – IPB, fundado em agosto de 2015 pelo pianista e pesquisador Alexandre Dias, tem como objetivo atuar no resgate e na divulgação das tradições pianísticas brasileiras.
No portal https://www.institutopianobrasileiro.com.br são disponibilizadas suas bases de dados, incluindo uma enciclopédia, discografias, catálogos de partituras, linha do tempo, imagens, biblioteca e um blog. Além disso, o IPB tem um canal no YouTube, uma página no Facebook, uma editora, um acervo físico e uma sede física em Brasília, inaugurada em 2018.
A partir de dezembro de 2021, numa iniciativa inédita, o IPB convidou o pianista e arranjador Marco Bernardo para realizar a gravação das obras de alguns compositores referenciais ligados ao piano brasileiro, em sua maioria intérpretes do instrumento, em suas versões originais e inéditas para piano, selecionadas a partir do acervo do Instituto e gerando videopartituras disponíveis no canal do IPB através de playlists dedicadas a cada autor.
Marco Bernardo, que também é pesquisador, aceitou a ideia com entusiasmo e, com sua enorme experiência no assunto, foi desbravando o acervo e selecionando as mais expressivas obras dos compositores sugeridos, e, aos poucos, gravou muitas delas para o canal do YouTube do Instituto. Foi no decurso dessas gravações que ele teve a ideia de criar, a partir dessa iniciativa, uma coleção de álbuns desse material original e, em grande parte, desconhecido do público, chamando-a de Pianismos do Brasil. É também possível encontrá-los no Spotify.
Como artista da Kuarup, gravadora conhecida por sua dedicação constante à boa música, pela qual havia lançado, em 2019, o álbum O Pianeiro Chorão, Marco Bernardo propôs a ela esse enorme desafio, distribuindo esse projeto em formato de série nas plataformas digitais, com o lançamento de dez álbuns. Ressalte-se que a imensa maioria dessas partituras jamais havia sido gravada da maneira como foram escritas para piano. Assim, graças a essa interessante parceria entre o IPB e Marco Bernardo, apadrinhada pela Kuarup, podemos ouvir a linguagem pianística original desses verdadeiros mestres, grandes influenciadores dos padrões da música popular brasileira tal como a conhecemos hoje.
O período abordado por Marco Bernardo abrange composições do início do século XX, com autores como Costinha e Aurélio Cavalcanti, contemporâneos de Ernesto Nazareth e Chiquinha Gonzaga, passando pelos anos 1920 e 1930, com Sinhô e Augusto Vasseur; pelas décadas de 1940 e 1950, com nomes de destaque na música popular brasileira, como Ary Barroso e Lamartine Babo, além de um trabalho especial com as composições para canto e piano de Hekel Tavares que, a pedido do IPB, foram vertidas para piano solo por Marco Bernardo.
A coleção chega aos anos 1960, com a preciosa colaboração da compositora e pianista Lina Pesce, e a meados da década de 1980, com a longeva produção, por mais de cinco décadas, de dois compositores: Carolina Cardoso de Menezes, uma das mais destacadas “pianeiras” do país, e o clarinetista Nabor Pires Camargo, que também escreveu peças originais para piano solo.
Uma particularidade a respeito dos três últimos compositores listados no parágrafo anterior: eles foram objeto de biografias feitas por Marco Bernardo, a partir de um trabalho de pesquisa feito em 1994, com suporte da Bolsa Vitae de Artes, chamado de Os Últimos Chorões Históricos, no qual ele entrevistou doze grandes nomes do choro brasileiro, exceção feita a Waldir Azevedo, falecido em 1980, cuja biografia, juntamente com a de Nabor Pires Camargo, foi publicada pela editora Irmãos Vitale. As outras permanecem inéditas.
Os demais chorões biografados foram: Antonio Rago, Portinho, Orlando Silveira, Ademilde Fonseca, Altamiro Carrilho, Dino 7 Cordas, César Faria e Canhoto da Paraíba.
Para completar o repertório de alguns álbuns incluindo obras representativas dos autores jamais publicadas ou mesmo escritas, Marco Bernardo tirou de ouvido boa parte de algumas gravações feitas pelos próprios compositores ou por intérpretes seus contemporâneos e fez a digitalização das partituras para o canal do IPB. Como estratégia de lançamento, cada álbum publicado nas plataformas digitais foi precedido de dois singles, com um intervalo de quinze dias entre eles.
Para aqueles que são, como este que lhes escreve, fãs do formato físico, a única má notícia: os álbuns, que estão sendo lançados desde outubro de 2022, não serão publicados em CD. No momento em que redigimos esta matéria já temos oito álbuns disponíveis, faltando apenas os de Carolina Cardoso de Menezes e de Lamartine Babo, ambos previstos para ser lançados até junho deste ano. Mas, quem sabe, os nossos Pianismos do Brasil possam ter uma vida ainda maior, com outros homenageados... Passemos aos links dos álbuns, com breves comentários a respeito dos compositores feitos pelo próprio Marco Bernardo, para aguçar a curiosidade do amigo leitor, que talvez não conheça todos os personagens dessa coleção:
Pianismos do Brasil vol. 1 – Sinhô

Sinhô, pseudônimo de José Barbosa da Silva, é natural do Rio de Janeiro (RJ), nascido em 18 de setembro de 1888 e falecido em 4 de agosto de 1930. Compositor dos primórdios do samba, cujas músicas foram publicadas entre 1917 e 1930, das quais se destacam Jura!, Gosto Que Me Enrosco e Kananga do Japão, frequentador das reuniões na casa da Tia Ciata e pianista das lojas de instrumentos e editoras de partituras Casa Beethoven e Carlos Wehrs, tocava (inclusive violão) em clubes carnavalescos como Kananga do Japão e Ameno Resedá. Lançado em 14 de outubro de 2022.
Pianismos do Brasil vol. 2 – Nabor Pires Camargo

Nabor Pires Camargo é natural de Indaiatuba, no interior de São Paulo, nascido em 9 de fevereiro de 1902 e falecido em Mococa (SP), em 3 de outubro de 1996. Um dos maiores clarinetistas brasileiros, atuante na Orquestra Sinfônica de São Paulo desde a sua fundação até se aposentar, e autor do Método Para Clarineta, o mais conhecido de todos já publicados. Pianista e compositor, detentor de uma destacada produção que abrange dos anos 1920 aos anos 1970 e destaca títulos como O Cavanhaque do Bode e Coitado do Juca Pato. Marco Bernardo é seu biógrafo, tendo publicado pela editora Irmãos Vitale o livro Nabor Pires Camargo, Uma Biografia Musical em 2002, ano do centenário do compositor. Lançado em 16 de dezembro de 2022.
Pianismos do Brasil vol. 3 – Lina Pesce

Lina Pesce, pseudônimo de Magdalena Pesce Vitale, é natural de São Paulo, capital, nascida em 26 de janeiro de 1913 e falecida em 30 de junho de 1995. Compositora e pianista, imortalizou-se através de sua "série dos pássaros", que inclui choros conhecidos nacional e internacionalmente, como Bem-te-vi Atrevido e Tangará na Dança. Marco Bernardo lhe dedicou uma biografia, fruto de uma Bolsa Vitae de Artes e ainda não publicada. Lançado em 10 de março de 2023.
Pianismos do Brasil vol. 4 – Aurélio Cavalcanti

Aurélio Bezerra Cavalcanti de Sá é natural do Rio de Janeiro, nascido em 9 de junho de 1874 e falecido em 15 de novembro de 1916. Compositor, maestro e pianista brasileiro atuante no início do século XX, foi um dos "pianeiros" de destaque no Rio de Janeiro do período, ao lado de nomes como Chiquinha Gonzaga e Ernesto Nazareth, tendo como maior sucesso a valsa espanhola Soledad. Lançado em 23 de junho de 2023.
Pianismos do Brasil vol. 5 – Ary Barroso

Ary Evangelista Barroso é natural de Ubá (MG), nascido em 7 de novembro de 1903 e falecido no Rio de Janeiro, em 9 de fevereiro de 1964. Um dos mais importantes compositores da história da música popular brasileira. Ficou famoso no Brasil e no mundo por seu samba Aquarela do Brasil, composto em 1939 e considerado como a música do século, uma expressão dos chamados sambas-exaltação, além de outros clássicos como: Na Baixa do Sapateiro, Risque, No Rancho Fundo, Camisa Amarela, Folha Morta e No Tabuleiro da Baiana, entre outros. Lançado em 8 de setembro de 2023.
Pianismos do Brasil vol. 6 – Costinha

Costinha, pseudônimo de José Francisco da Fonseca Costa, é natural do Rio de Janeiro, tendo falecido nessa cidade em 1938. Prolífico pianista e compositor atuante nos anos 1910, é mencionado por Alexandre Gonçalves Pinto, o Animal, em seu livro O Choro: Reminiscências dos Chorões Antigos: "Este inveterado pianista foi um dos afamados e admirados. Tocava com grande perfeição e arte de admirar os seus congêneres, tal a rapidez nos seus dedos, no seu instrumento, que ele eletrizava."
Autor de composições notórias como as marchas Quem Paga É o Coronel e Dinheiro em Penca, os sambas Baiana Olha Pra Mim e Deixa Disso... Baiano, e a valsa Quando Falas, é considerado, segundo Alexandre Dias, "um elo de transição e ligação entre a maturidade de Ernesto Nazareth (nos anos 1910) e o surgimento de Sinhô (nos anos 1920), quando o choro e o samba estavam se consolidando, fazendo um caminho semelhante ao de Eduardo Souto ao começar com gêneros imperiais e terminar com gêneros carnavalescos". Lançado em 17 de novembro de 2023.
Pianismos do Brasil vol. 7 – Hekel Tavares

Hekel Tavares, natural de Rio Largo, em Alagoas, nascido em 16 de setembro de 1896 e falecido no Rio de Janeiro, em 8 de agosto de 1969. Importante compositor, maestro e arranjador. Expoente da canção de câmara brasileira com temática folclórica e urbana, tendo produzido cerca de 100 obras eruditas e populares, das quais se destacam Casa de Caboclo, Azulão, Guacyra e Funeral d'Um Rei Nagô, que se tornaram carros-chefes do repertório de importantes cantores eruditos e populares. Compostas originalmente no formato para canto e piano, vinte delas foram vertidas para piano solo por Marco Bernardo, a pedido do IPB. Lançado em 31 de maio de 2024.
Pianismos do Brasil vol. 8 – Augusto Vasseur

Augusto Vasseur é natural do Rio de Janeiro, nascido em 3 de setembro de 1899 e falecido em 8 de dezembro de 1969. Pianista e violinista que chegou ao posto de primeiro violino do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, onde ficou até se aposentar. Foi um dos instrumentistas mais requisitados pelas orquestras a partir da década de 1920, no Rio de Janeiro, e nos anos 1920 e 1930. Atuou também como compositor, sobretudo para o teatro de revista, cuja produção, gravada por cantores como Francisco Alves e Aracy Cortes, destaca sambas, valsas, choros, canções e até um jongo. Confidenciou ao musicólogo Ricardo Cravo Albin que, dentre todos os seus alunos ao piano, o mais cheio de bossa e de ritmo foi Sinhô, o José B. da Silva, a quem considerava um dos expoentes máximos do samba brasileiro. Lançado em 11 de outubro de 2024.
Pianismos do Brasil vol. 9 – Carolina Cardoso de Menezes

Carolina Cardoso de Menezes é natural do Rio de Janeiro, nascida em 27 de maio de 1913 e falecida em 31 de dezembro de 2000. Compositora e pianista, conhecida pelos foxes Preludiando e Tudo Cabe num Beijo, pertencia ao “clã” dos Cardoso de Menezes, família de ótimos pianistas e compositores, a exemplo de seu pai, Oswaldo Cardoso de Menezes, compositor e pianista popular famoso, e demais familiares por parte de pai e mãe. É uma das mais representativas expressões do chamado "pianismo brasileiro". Marco Bernardo, assim como fez para Lina Pesce, lhe dedicou uma biografia, fruto de uma Bolsa Vitae de Artes e ainda não publicada. Lançado em abril de 2025.
Pianismos do Brasil vol. 10 – Lamartine Babo
As gravações deste álbum ainda não foram iniciadas, mas o repertório já está definido. Segue uma pequena biografia do compositor.Lamartine de Azeredo Babo é natural do Rio de Janeiro, nascido em 10 de janeiro de 1904 e falecido em 16 de junho de 1963. Um dos maiores compositores brasileiros de todos os tempos. Mesmo tendo sido um leigo em técnica musical, criou melodias resultantes de seu espírito inventivo e versátil, bem como letras em que predominavam o humor refinado e a irreverência.
Através de suas marchinhas carnavalescas, cantadas até hoje — como O Teu Cabelo Não Nega, Grau 10, Linda Morena e A Marchinha do Grande Galo — seu nome se tornou mundialmente conhecido como o Rei do Carnaval. E, além de seus célebres hinos de clubes de futebol, sua produção compreende gêneros como o samba e a valsa, caracterizada por grandes sucessos, tais como a valsa Eu Sonhei Que Tu Estavas Tão Linda e o samba Serra da Boa Esperança. Previsão de lançamento: junho de 2025.
Sobre Marco Bernardo
Natural de São Paulo, capital, nasceu em uma família de talentosos músicos pelo ramo paterno, que muito o influenciaram: seu tio Ciccillo (Francisco Bernardo) foi violinista-spalla das orquestras Sinfônica Brasileira (OSB) e da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, além de músico requisitado em importantes gravações nas décadas de 1940 a 1960. Já seu tio Arthur Bernardo foi violonista, vocalista, compositor e um dos fundadores do célebre conjunto Demônios da Garoa. Estudou piano com os professores Rosa Lourdes Civile Melitto, Lourdes França, Gilberto Tinetti e Lina Pires de Campos. É diplomado em Licenciatura em Educação Artística com Habilitação em Música pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo.
Comments