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A flor nasce do caos em novo voo espiritual do saxofonista Ivo Perelman

Atualizado: 25 de ago.


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Para descrever sensações abstratas — aquelas que vão além do que é concreto e, muitas vezes, tentam dar uma significação universal a uma emoção específica, a uma tradição regional ou a uma criação artística — inventamos a metáfora.


Mas nem sempre ela é suficiente. Isso se torna ainda mais complicado quando queremos descrever uma criação musical. É um paradoxo: ao mesmo tempo em que usamos metáforas para universalizar algo que sentimos intimamente, elas se mostram pouco eficientes quando se trata de descrever o que já é, por si só, a mais universal das formas de arte — a música.


Isso não serve para toda música, claro. Mas, quanto mais ela se torna imprevisível e espiritual, mais essa dificuldade aumenta. Armageddon Flower, o mais recente disco do saxofonista Ivo Perelman, ao lado do incrível Matthew Shipp String Trio — que conta com Matt Maneri no violino e William Parker no baixo — é dessas obras em que falta vocabulário, exceto o dos sons, dos ouvidos e da nossa capacidade de sentir.


Sentir aqui não significa exatamente sentimentos positivos ou agradáveis. Nós, a vida e o mundo somos complexos — e podemos, ouvindo uma mesma música, ir da euforia ao incômodo, do medo à ternura, da extinção ao nascimento de uma flor. É parecida com essa a sensação de ouvir Armageddon Flower: a indiferença não tem espaço, e a transformação é uma constante.


O disco traz quatro longas composições com Ivo no saxofone tenor e Matthew Shipp no piano, além dos outros músicos citados. A dupla já gravou algumas dezenas de discos juntos e, aqui, parece que todo esse caminho chega a uma conclusão. Música exploratória e onírica e, como o título já capta tão bem, uma criação que, da tragédia, evoca a esperança.


A flor do armagedom, como diz o título do álbum, se refere a uma série de problemas que o mundo de hoje enfrenta: conflitos armados, crise climática, expressões de intolerância, confusão generalizada e a sensação de se estar perdido em meio a tudo isso. Mas, desse fim de mundo anunciado, ainda existe — e prevalece — a vida.


Ivo, com uma prolífica carreira que ultrapassa os 130 discos gravados, diz que nunca se sentiu assim durante uma gravação. Classifica a experiência como um sonho de uma hora, um transe cujo resultado é a elevação materializada na música que o disco apresenta. A necessidade de colocá-la em uma prateleira nos faz encaixá-la no jazz de vanguarda, que ecoa no free jazz e no jazz de câmara, mas seus voos vão além de rótulos.


A música do grupo, neste álbum, é cheia de vida — a vida que resiste, apesar de tudo — e, mais do que isso, reflete como vivemos neste mundo de hoje. Um trabalho indispensável e inesgotável, que melhora e toca nosso espírito a cada audição.


Armaggedon Flower

Ivo Perelman & Matthew Shipp String Trio

TAO Forms

Nota 10


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