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Noites de balanço brasileiro: o jazz encontra abrigo na Casa Natura

Projeto criado por Felipe do Amaral propõe escuta ativa e aproxima o público de diferentes expressões do jazz brasileiro, em uma temporada que vai até junho


Teco Cardoso, Bebê Kramer e Swami Jr, atração do dia 7 de maio na Casa Natura/Divulgação
Teco Cardoso, Bebê Kramer e Swami Jr, atração do dia 7 de maio na Casa Natura/Divulgação

São Paulo ganhou uma nova noite dedicada ao jazz. Ambientada na Casa Natura Musical — um espaço conhecido por acolher diferentes expressões da música brasileira —, a série “Jazz na Casa – Noites de Balanço Brasileiro” passa a ocupar as quartas-feiras com apresentações que homenageiam o estilo em sua diversidade. 


A temporada vai reunir nomes consagrados e novos representantes da cena instrumental do país. Para os amantes do gênero, é um convite: entrar no meio da semana por outra porta, onde o tempo desacelera e a escuta se intensifica.


Idealizado por Felipe do Amaral, pesquisador e curador com trajetória sólida na música instrumental, o projeto transforma a Casa em um ambiente intimista, com sofás, iluminação suave e ambientação sonora feita por DJs convidados. Foi tudo pensado para criar uma experiência de acolhimento e escuta ativa.


“Parecia fazer muito sentido que um DJ escolhesse a sonoridade durante o tempo de chegada do público. Dessa forma, a suavidade do ambiente abre espaço para a intensidade da musicalidade. Esse foi o partido inicial da curadoria”, diz Felipe. 


Com shows para até 250 pessoas (praticamente um terço da capacidade da casa), a proposta prioriza proximidade entre artista e público, criando uma atmosfera que busca destacar, de fato, a música. Assim, mais do que uma série de shows, é uma tentativa de restaurar o sentido comunitário da escuta musical — aquela que exige atenção, entrega e tempo.


A curadoria da temporada vai além de um recorte estilístico: investe no jazz como linguagem e forma de criação, em diálogo com diferentes regiões, gerações e heranças musicais. Na programação, foi possível encontrar desde os sopros vigorosos de Gaia Wilmer (tocou em abril) até o pife do pernambucano Alexandre Rodrigues (tocou em maio).


Veja abaixo a entrevista completa com Felipe do Amaral:


Como surgiu a ideia desse projeto de jazz na Casa Natura?


A proposta do “Jazz na Casa” surgiu como um convite da Casa Natura Musical a partir da ideia de ocupar mais um dia da semana com shows, sendo a quarta-feira uma opção de programa de meio de semana com uma capacidade reduzida, para até 250 pessoas. Em outros dias, a casa chega a receber até 700 pessoas em um único show. Sendo assim, era preciso levar em conta uma série de condições para esse novo formato. Considerando que é uma casa de médio porte e que oferece uma boa infraestrutura de palco, vimos ali a oportunidade de criar uma ambientação mais intimista, para explorar esse repertório musical ainda novo para a casa. Por se tratar de uma música predominantemente acústica, era necessário pensar quais grupos de jazz estariam mais bem adaptados a esse palco grande. Dessa mesma maneira, era também necessário trazer mais elementos de conforto para quem assiste, uma vez que se espera uma maior dedicação à escuta durante o show. Com isso, já tínhamos a ideia de ter uma disposição de salão aberto com mesas e sofás e um cardápio especial de comidas e bebidas. Além disso, parecia fazer muito sentido que um DJ escolhesse a sonoridade durante o tempo de chegada do público. Dessa forma, a suavidade do ambiente abre espaço para a intensidade da musicalidade. Esse foi o partido inicial da curadoria.


Como foi pensado o recorte curatorial dessa programação?


Considerando o novo formato do ambiente, a estratégia inicial da curadoria foi imprimir uma regularidade semanal, que parecia necessária para transmitir a unidade curatorial do projeto e a confiança de que tudo estava sendo preparado com um compromisso inabalável. Assim, também chegamos a um objetivo comum para a curadoria e a Casa Natura Musical: o mapeamento de artistas da cena musical brasileira. Logo, tínhamos o conceito de que seria uma temporada de shows de jazz brasileiro: “Jazz na Casa – Noites de Balanço Brasileiro”. Portanto, esta é uma série de encontros em que instrumentistas se apresentam para uma audiência atenta em um salão único, onde tudo acontece aberto à vista do público.


Os shows representam álbuns marcantes da última década ou apresentam lançamentos que chegam agora aos ouvidos do público. Tudo isso, permeado pelos elementos essenciais que compõem a linguagem do jazz: a relação particular com o ritmo e o balanço na execução musical ao vivo, o destaque para o vocabulário musical de cada instrumentista e a espontaneidade e a vitalidade das improvisações. Afinal, como diz o grande pianista Keith Jarrett, o jazz é a música em que quanto maior é a consciência do risco, maior é o resultado. Sendo a música uma arte coletiva de modelagem do som que cria emoções através da escuta, procuramos ser o mais verdadeiros possível, em busca de sempre nos conectar emocionalmente com os públicos de uma forma relevante e memorável, tendo a música como o meio propulsor dessa mensagem. Cada show é uma experiência de encontro real e único, pensado para combater o distanciamento entre quem faz e quem escuta a música, valorizando a atenção dos ouvidos e o respeito a quem faz da música a sua atividade de vida.



Mestre Negro, atração do dia 14 de maio/Foto: Heloisa Bortz
Mestre Negro, atração do dia 14 de maio/Foto: Heloisa Bortz


A curadoria pensou em diversidade de gerações, gêneros e regiões. Como foi ordenar a programação?


A Casa Natura Musical é um lugar que tem como missão criar experiências através da música, valorizando as multiplicidades e dialogando com os públicos a partir de suas diversidades. Sabemos que é sempre importante ampliar essa visão mais e mais. Portanto, era uma premissa do projeto que a curadoria pudesse atuar alinhada com esse posicionamento. A estrutura de temporadas também favorece esse trabalho, pois com 11 shows é possível abarcar de uma só vez um recorte mais amplo, que considere uma programação mais diversa. Sendo assim, a programação apresenta desde instrumentistas mais jovens, com 25 anos de idade, até aqueles que estão completando 50 anos de carreira.


Buscamos dar destaque para grupos com protagonismo feminino, com Anette Camargo, Gaia Wilmer, Léa Freire e Tatiana Parra na linha de frente e muitas outras mulheres instrumentistas na formação. Alexandre Rodrigues, artesão do pife, sobe ao palco para lançar o álbum que acabou de gravar com os indígenas de sua cidade, Itapissuma-PE; Maurício Pazz lança seu álbum Negro Movimento, do Selo Atlântico Sul, um coletivo afrocentrado que procura atuar na perspectiva das tecnologias ancestrais.


Temos ainda artistas premiados internacionalmente, como Jaques Morelenbaum e Trio Corrente, e homenagens muito potentes a dois personagens que saíram do Brasil ainda nos anos 1970 e construíram sólida carreira lá fora fazendo uma música brasileira totalmente original: Moacir Santos, que nasceu no sertão pernambucano e viveu por décadas nos Estados Unidos; e Tânia Maria, que saiu de São Luís para conquistar o mundo com uma performance enérgica e incomparável. Assim, ao longo da primeira temporada, os públicos poderão ter contato com uma visão mais ampla do jazz brasileiro, que dialoga com outros gêneros musicais, do forró ao hip-hop, e passa por São Paulo, Rio de Janeiro, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Pernambuco, Paraíba e Maranhão.


Sabemos que isso ainda não dá conta da totalidade do Brasil e das múltiplas visões contemporâneas, mas a pesquisa curatorial é um trabalho contínuo, e tem sido muito proveitoso se deparar cada vez mais com trabalhos de origens tão diversas dentro dessa linguagem do jazz.


De que forma a proposta dialoga com o momento atual do jazz em São Paulo?


Pensando em elaborar o projeto, eu decidi fazer uma pesquisa para compreender e documentar as diversas dinâmicas atuais que envolvem esse gênero musical em São Paulo e também os lugares onde se realizam esses shows. Essa conjunção é muito importante, pois a música é uma arte da escuta e da performance. Eu acompanho o circuito do jazz e da música instrumental em São Paulo desde 2005, que foi quando passei a ter um olhar mais profissional para a minha formação musical. De lá pra cá, ouvi muitas histórias do que acontecia na noite, assim como pude conviver com inúmeros instrumentistas e vivenciar experiências incríveis assistindo a shows em lugares que sempre foram muito diferentes entre si. Alguns continuam atuantes, mas outros, por diversos motivos, fecharam as portas ou mudaram radicalmente. E a lista é grande.


Nos últimos meses de 2024, o que eu pude notar é que havia uma nova efervescência no ar. Passei a reencontrar nas plateias os amigos que conheci quando íamos todos sempre aos mesmos shows. Porém, agora eram novos lugares, novos repertórios e, às vezes, formações musicais que não se reuniam há mais de uma década voltando a se apresentar ao vivo para o público. Passei então a ir com mais frequência aos shows de meio de semana, já com um olhar mais sistemático, com o intuito de alimentar esse projeto, e fiz do meu Instagram Música para os ouvidos (@musicaparaosouvidos_) uma espécie de caderno de campo dessa agenda musical, registrando em vídeo essas memórias. Assim, tenho procurado fazer um trabalho de curadoria com um olhar ativo para o que está acontecendo agora e procurando entender as demandas reais da linguagem da música, com o intuito de contribuir para uma consolidação desses espaços e um pensamento de mais longo prazo.


Trio Corrente, atração do dia 25 de junho/Divulgação
Trio Corrente, atração do dia 25 de junho/Divulgação

Como a Casa Natura Musical contribui para esse tipo de proposta?


A parceria com a Casa Natura Musical tem sido fundamental em todos os aspectos da construção dessa série de shows. Além da confiança total na elaboração da curadoria, há uma equipe que colabora plenamente em todas as questões de produção, comunicação e organização da dinâmica de operação de cada show. Afinal, é uma casa que realiza mais de 140 shows por ano. Quem já trabalhou na noite sabe o quanto isso pode ser desgastante, e ali tudo acontece de maneira muito leve. Além disso, há uma atenção aos mínimos detalhes em tudo: iluminação, mobiliário, cenário, cardápio, camarim, atendimento, recepção etc. Tudo foi construído com a dedicação de muitas pessoas. Todos os conceitos do projeto foram tratados previamente em várias etapas, sabendo que se tratava de um projeto com objetivos e interesses comuns, para que pudéssemos chegar ao momento de lançamento para o público. Do início da proposta à estreia da primeira temporada, foram mais de 7 meses de diálogos contínuos em muitas instâncias, e sou muito grato a todos que se envolveram nessa jornada.


Qual tem sido a resposta do público até agora?


Desde os primeiros anúncios dessa série, pudemos notar uma resposta muito atenta e interessada dos públicos. Logo no primeiro show, ficou evidente que todos tinham entendido bem a proposta. Não se trata apenas de um convite para que as pessoas cheguem mais cedo, mas de um ambiente todo preparado para que cada pessoa possa escolher a sua maneira mais confortável de ver o show. Há bastante espaço entre as mesas, várias configurações de números de lugares e posições para quem quer sentar ou mesmo ficar em pé: mais perto do palco ou mais perto do bar. Temos um salão com mesa, sofá, poltrona, banco, balcão e até o mezanino para quem quer ver o palco do alto. Além de tudo, o serviço de cozinha continua depois do show, para quem quiser estender a noite um pouco mais. Para nós, o melhor sinal é que muita gente aproveita esse ambiente a noite toda, além de curtir o principal – o show (é claro!) –, com silêncio e atenção, fazendo com que cada noite seja realmente única.


Há planos de continuidade para o projeto ou mesmo de gravações, registros, parcerias?


A 1ª temporada do “Jazz na Casa” foi concebida como um projeto piloto que reúne muitas forças, e a ideia é que continue. A programação foi lançada de uma vez, com shows de abril a junho, e esse era um gesto importante para que o projeto ganhasse força e fosse capaz de dizer ao que veio. Tudo é feito de maneira muito estratégica e guiada, literalmente, pelos ouvidos. É também uma oportunidade para avaliar os resultados e reconfigurar a rota naquilo que for necessário para as temporadas seguintes. Afinal, é uma programação em cocriação, na qual eu atuo na curadoria (com muita liberdade, diga-se de passagem – e agradeço novamente por isso!). Esta é a forma em que sempre sonhei trabalhar.


Para além dessa parceria com a Casa Natura Musical, eu particularmente tenho também outras atuações. Como o próprio nome diz, Música para os ouvidos é a minha forma de exercer o propósito do meu trabalho, seja produzindo bandas, fomentando encontros, realizando pesquisas ou promovendo curadorias. No fundo, se trata de um trabalho de mediação, feito a partir de uma escuta atenta, e é a isso que tenho me dedicado integralmente. Interessante é que, nesse percurso, tenho encontrado muita gente alinhada com esse pensamento e algumas oportunidades (como esta!) têm surgido a partir daí. É tudo uma questão de sintonia!


Para você, o que torna esse projeto especial ou necessário no cenário musical atual?


Para mim, esse projeto tem uma vocação muito especial, que é a de, ao final de cada noite, todos os participantes (sejam instrumentistas ou público) possam se sentir contemplados e com desejo de voltar. Sabemos que todas as noites serão únicas: provavelmente, pela característica do projeto, não teremos oportunidade de repetir nenhum show novamente. Então, desejo que todos possam aproveitar cada noite da maneira mais plena possível, pois é assim que eu me sinto a cada vez que um novo show começa!




Felipe do Amaral é produtor cultural e músico. Atua profissionalmente por meio da Música para os ouvidos. Curador do projeto "Jazz na Casa - Noites de balanço brasileiro", na Casa Natura Musical. Desde 2009, atua na concepção e produção de atividades culturais nas áreas de artes visuais, música, literatura, arquitetura e dança, em diversas instituições culturais da cidade de São Paulo. Tem bacharelado em música pela UniFIAMFAAM, estudou arquitetura na Escola da Cidade e concluiu, em 2019, a especialização no Curso Sesc de Gestão Cultural (Centro de Pesquisa e Formação – Sesc São Paulo).

Felipe do Amaral/Foto: Victor Takayama
Felipe do Amaral/Foto: Victor Takayama

Foi coordenador de Oportunidades e Projetos Especiais da São Paulo Escola de Dança (2022 a 2024). Foi coordenador de programação do Espaço Cultural Porto Seguro (2017 a 2020), coordenador de audiovisual da Escola da Cidade (2014 a 2017) e assistente de curadoria da Casa do Saber (2011 e 2012). Já realizou atividades de produção cultural para diversas unidades do Sesc São Paulo, entre elas shows, palestras com convidados internacionais e o seminário Encontro Internacional Públicos da Cultura (2013), com palestrantes de oito países sobre gestão e mapeamento de públicos em instituições culturais.


Programação


04 de junho: Tatiana Parra

Convida Antonio Loureiro, Bruno Migotto e Louise Woolley

Ingressos: meia R$ 30 | inteira R$ 60 | mezanino R$ 120


11 de junho: Maurício Pazz - Negro Movimento

Selo Atlântico Sul

Ingressos: meia R$ 30 | inteira R$ 60 | mezanino R$ 120


18 de junho: Mental Abstrato 

Uzoma

Ingressos: meia R$ 30 | inteira R$ 60 | mezanino R$ 120


25 de junho: Trio Corrente 

Ingressos: meia R$ 40 | inteira R$ 80 | mezanino R$ 160


SERVIÇOS

Abertura da Casa: 18h30

Shows: 21h

Classificação: 18 anos


CASA NATURA MUSICAL

Rua Artur de Azevedo, 2134, Pinheiros, São Paulo

(a 300 metros da estação de metrô Faria Lima da linha 4 - Amarela)



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