Entre cornetas, gângsters e bandas, o jazz pega o trem rumo a Chicago
- Vinicius Mesquita

- 30 de out.
- 3 min de leitura

Chicago parecia ser o destino natural para herdar a tradição boêmia de New Orleans após 1917 e, com isso, orientar os primeiros passos do jazz ainda em formação — um gênero que começava a ganhar fama em diferentes partes do mundo. Muitos trabalhadores negros, amantes da música ou não, migravam para o industrializado norte dos Estados Unidos em busca de vagas nas promissoras fábricas das grandes cidades. Com a maior malha ferroviária do planeta, Chicago se destacava não só pela facilidade de acesso, mas também por estar repleta de cabarés e casas de dança nos efervescentes anos 1920 — muitos deles mantidos e comandados por gângsteres durante a era da Lei Seca (1920–1933). Afinal, os clubes clandestinos que vendiam bebidas precisavam de músicos talentosos para embalar os clientes.
Para boa parte dos norte-americanos, Chicago era um lugar promissor para ganhar dinheiro — e fácil de alcançar. Naquela época, havia a impressão de que todas as estradas de ferro levavam até lá. Por que não correr para Chicago? E foi o que muitos fizeram, explorando a cidade ao máximo, como gafanhotos sobre plantações férteis, especialmente entre 1920 e 1927 — até que, em 1929, veio o colapso da Bolsa de Valores e o país mergulhou na Grande Depressão.
Além dos já citados migrantes ilustres, como King Oliver e Louis Armstrong, Chicago também formou talentos locais nascidos nas suas favelas — jovens com disposição e ouvido apurado para o jazz. Entre os nomes mais relevantes estão o guitarrista Eddie Condon, os clarinetistas Pee Wee Russell e Mezz Mezzrow, os trompetistas Muggsy Spanier e Jimmy McPartland, o baterista Gene Krupa — responsável por introduzir o solo de bateria nas orquestras — e o arranjador, maestro e clarinetista Benny Goodman.
Um caso à parte foi o trompetista Bix Beiderbecke (1903–1931). Nascido em Davenport, Iowa, e não em Chicago ou New Orleans, Beiderbecke não vinha da pobreza. Ao contrário, era de família tradicional e ficou conhecido como o primeiro branco gênio do jazz. Em 1922, mudou-se para Chicago para estudar em uma academia militar, mas logo foi capturado pelo som que saía dos clubes, especialmente o de Armstrong. Abandonou os estudos, desafiou o pai e mergulhou de cabeça no trompete.
Inventivo e técnico, Beiderbecke entendeu cedo que não podia — e nem queria — imitar Armstrong. Criou seu próprio estilo, melódico e introspectivo, antecipando em quase três décadas o que seria o cool jazz de Miles Davis. Mas nos anos 1920, sua música soava suave demais para um período tão frenético, dançante e explosivo. Beiderbecke, alcoólatra, sensível e incompreendido pela família — que se recusava até a abrir os discos que ele enviava pelo correio — morreu sozinho em uma pensão em Nova York, aos 28 anos, vítima de pneumonia.
No fim da década de 1920, o jazz começava a ganhar forma orquestral. As big bands se consolidavam com arranjos escritos e nomes como Duke Ellington, Fletcher Henderson, Paul Whiteman, Chick Webb, Jimmie Lunceford, Benny Moten, Count Basie e Benny Goodman emergiam como líderes de uma nova era sonora. Henderson foi o mais profético: ainda nos anos 1920, já moldava o swing que explodiria na década seguinte, com o apoio de Louis Armstrong e do arranjador Don Redman. Em resposta à sofisticação de Henderson, Paul Whiteman, branco, apostou em um jazz sinfônico mais comercial, acessível e melodioso — e contratou Beiderbecke como solista em 1924.
Enquanto isso, Nova York começava a roubar os holofotes de Chicago. A cidade se tornava o centro do entretenimento americano, impulsionada pelas principais emissoras de rádio, gravadoras de discos e editoras musicais — quase todas instaladas na mítica Tin Pan Alley, na região da Broadway. O bairro negro do Harlem transformou-se na capital do jazz, e a música tomou conta não só das boates, mas também das casas e ruas da região. Era para lá que tudo convergia.











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